Como estamos agindo na comunidade? Como nos transformamos na compaixão pura e ilimitada? No budismo, existem dois alicerces, duas bases: a compaixão e a sabedoria. Não existe sabedoria se não houver também compaixão. Não se pode dizer que uma pessoa seja muito sábia, se ainda não percebeu que intersomos. Ou que alguém seja pleno de compaixão, bom, se não houver sabedoria. Não há verdadeira compaixão sem sabedoria. Não há sabedoria sem compaixão.
O monge Thay, vietnamita, que considero tanto quanto considero S.S. o XIV Dalai Lama, criou uma palavra que eu adoro, que deveria estar em todos os dicionários: “interser”.
Nós intersomos, não existimos sozinhos. Nós somos a vida do universo em transformação. Nós somos feitos da mesma matéria-prima de que são feitos os astros, as minhocas, os cupins, tudo o que existe. A matéria-prima é a mesma: causas e condições fazem com que nós surjamos, agora, nesta aparência humana, que também não é fixa, não é permanente, e está em constante transformação. Em que direção caminha a transformação? Isto é de nossa responsabilidade. Nós direcionamos as mudanças, nós discernimos, nós podemos fazer escolhas, e a escolha é feita a cada instante.
O monge Thay explica o interser de uma forma educativa, que eu acho muito interessante. Segurando uma folha branca de papel, ele nos assevera:
“Há uma nuvem nesta folha de papel. Qualquer poeta a vê. Será que nós a estamos vendo? Ela está bem aqui, pois, sem nuvem, não pode haver árvores, e , por conseguinte, sem árvore, não há papel.
Se formos capazes de ver a nuvem e a árvore nesta folha de papel, veremos também o sol e as estrelas, os campos, os animaizinhos, as folhas, as flores, os frutos e as várias estações do ano. E veremos, também, o lenhador... Oh! Lá vem vindo o lenhador e ele traz o seu machado; então, vemos o minério de ferro... O lenhador traz, no seu bolso, um sanduíche, um lanche que sua mãe preparou. Vejam! A mãe do lenhador está aqui nesta folha de papel também! E, se virmos o sanduíche, que é feito de pão, veremos o campo de trigo bem aqui. Logo, essa folha de papel é feita mais de ‘elementos não-papel’ do que de ‘elementos-papel’. Todas as coisas existem desse modo. Elas não podem existir sozinhas, pois são inseparáveis. Todas as coisas intersão. E isso inclui a nós, seres humanos, também. Mesmo o nosso ‘eu’ é feito mais de elementos ‘não-eu’ do que elementos ‘eu’.
Se você for um bom poeta, será capaz de ver claramente todas essas coisas, incluindo também a nossa própria mente, numa simples folha branca de papel. E será capaz de ver o universo inteiro intersendo em cada coisa que seus olhos puderem tocar.”
Monja Coen e Vitor Caruso Jr.
Fonte: Livro Zen Yoga (Ed. Bodigaya, p.30-31)
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